
Os que têm mais de 50 anos são testemunhas vivas da delirante urbanização de Floripa. A algazarra das betoneiras foi substituindo a das cigarras e, pelo menos no centro da cidade, o festivo bichinho só é lembrado pela sua outra identidade: a do marido infiel que à noite sai “à caça”, pronto para cigarrear de madrugada...
A Lagoa da Conceição já é uma cidade de 80 mil habitantes – ainda cheia de belezas, mas carente de esgoto e de segurança. É o tal do progresso, essa hydra de mil cabeças, eterno símbolo do “mais” e não do “melhor”. Foi essa serpente que despertou no doce poeta Mario Quintana a definição mais que perfeita:
– O progresso é a insidiosa substituição da harmonia pela cacofonia.
Nunca esteve tão cacofônica a cidade, com suas betoneiras, suas serras-fitas e a histeria nos engarrafamentos do trânsito. E o que é pior: com o silvo redobrado das sirenes de ambulâncias e viaturas policiais. Há até um inusitado som urbano incorporado a esse novo caos: o ronco dos motores dentro do Túnel Antonieta de Barros. Um canudo iluminado, que junta o centro histórico à orla sul, no rumo do aeroporto – e que há uma geração inaugurou na Ilha o que se poderia definir como “música techno” do trânsito ensandecido.
Antigamente, chegar a Canasvieiras – outra “cidade”, hoje descaracterizada – era “uma viagem”. Ninguém ia às praias da Ilha, a não ser para confinar-se no único hotel existente em uma praia do Norte: o de Canasbeach, cercado de pitangueiras. O banho de mar dos verões da época ficava bem mais perto, em praias do “centro”: no Praia Clube, em Coqueiros. E até que era possível tomar-se um bom banho, sem beijar os coliformes que hoje boiam à superfície…
Havia trapiches nas duas baías e a cidade vivia “em conjunção” carnal com o mar.
Afinal, em qualquer outro país do mundo Florianópolis seria um excelente porto. Era só mandar dragar o canal de Y-Jurerê Mirim, mais conhecido como Estreito. Transatlânticos de grande calado navegam pela “laguna” de Veneza, deslizando praticamente “ao lado” da Piazza de San Marco. Aqui, já vão longe os tempos em que os navios de médio porte – os “vapores”, como se dizia – podiam navegar sob a Ponte Hercílio Luz e atracar no trapiche da Florestal, no Continente, em sítio próximo ao Saco da Lama.
A Ilha do Carvão era uma gargantilha no pescoço da Baía Sul, enquanto o Miramar já era – admitamos – o mal-cheiroso ancoradouro dos bêbados e dos notívagos, mas também o feérico Gibraltar dos boêmios e dos seresteiros.
Testemunhar o desaparecimento da velha cidade e crismar a nascimento de “mais uma metrópole” equivale a atirar uma pedra no espelho da própria casa. E a sentir a dor da paisagem estilhaçada.
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