“Quando o 1% dos mais ricos concentra 25% da renda, explode
a “bomba atômica econômica”, diz o Nobel Joseph Stiglitz”.
A desigualdade mata o desenvolvimento. Se a riqueza se
concentra em poucas mãos, a crise é inevitável. Parece quase uma observação
banal – e de alguma maneira qualquer pobre já sabia disso -, mas a grande
novidade é que, a partir de agora, essa verdade simples tem status de teorema.
Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2002, sustenta
que, se a riqueza está concentrada nas mãos de poucos, é fatal cair em
estagnação e recessão econômica, como nos anos 1930. O axioma do economista
norte-americano é demonstrado com dados incontestáveis e confere dignidade
científica ao princípio de que desigualdade e polarização na renda prejudicam o
crescimento e reduzem o PIB.
A oportunidade para apresentar os resultados, extraordinários
de sua pesquisa, uma espécie de pré-estreia mundial, foi a 50º reunião
científica da sociedade italiana de economia, demografia e estatística (Sieds),
ocorrida em Roma, nos últimos dias de maio. Stiglitz, que na mesma linha de
pesquisa publicou, em janeiro passado (2013), o impactante livro O preço da
desigualdade, apresentou na Universidade Européia de Roma o fruto de seus
estudos mais recentes, elaborados com seu principal colaborador italiano, o
professor Mauro Gallegati.
O teorema de Stiglitz é baseado na constatação empírica do que
os economistas definem como a “propensão marginal à consumir”: os ricos têm um
grau menos acentuado do que a classe média. Portanto, se a distribuição de
renda os favores além de certos limites, o consumo, ao contrário do que se
poderia imaginar, fica deprimido. Somente uma classe média bem-sucedida e
favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os
seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia global.
O gráfico apresentado por Stiglitz é muito eloquente: quando o
1% dos mais ricos da população se aproxima de possuir 25% da renda, explode a
economia. Aconteceu na Grande Depressão dos anos (19)30 e se repete nesta
década, com episódios menores no caminho das crises.
A
pesquisa ítalo-americana ameaça ter efeito devastador entre as filas
neoliberais. “Os defensores da desigualdade argumentam que assegurar mais
dinheiro para os mais ricos produz benefícios para todos, porque isso levaria a
maior crescimento econômico”, escreve Stiglitz em seu relatório. “Trata-se de
uma ideia chamada trickle-down economics (economia com efeito cascata). Ela
tem longo pedigree, mas faz tempo que tem sido desacreditada”.
Resumindo em poucas palavras, o teorema se auto explica de maneira muito clara,
como equação aritmética ou fórmula química não particularmente complicada. É
baseado na relação entre o Índice de Gini (ou seja, o indicador de desigualdade
inventado pelo economista italiano Corrado Gini) e a teoria da “propensão
marginal a consumidor”. Quando o índice de Gini aumenta indica, o incremento da
concentração de renda, a classe média se reduz e o consumo contrai. Em
consequência, a “variável” ou “multiplicador” de investimento diminui, afetando
o PIB e o crescimento.
O teorema de Stiglitz sobre
“distribuição e multiplicador” pode ser sintetizado na seguinte definição: se a
má distribuição da riqueza acentua a desigualdade, então a pmgC ( propensão
marginal a (c)onsumir) diminui e o índice de Gini (G) aumenta, o que provoca a
diminuição do valor do multiplicador econômico, com base na fórmula acima.
A elite econômica mundial,
dessa forma, fica sem argumentos. Tudo indica que a equação de Stiglitz
representa o ataque mais formidável até agora lançado aos já vacilantes
fundamentos da economia mainstream. Pelo menos na batalha teórica. Faz
alguns meses, o primeiro golpe foi dado diretamente pelo FMI, que desafiou o
dogma da austeridade ao calcular que o corte do déficit de 1% pode reduzir o
PIB em até 2% e não só – como se acreditava até então – em 0,5%.
A segunda pancada foi acertada
poucas semanas atrás por um grupo de estudantes do Instituto de Tecnologia do
Massachutetts (o famoso MIT de Boston): ajudados por alguns professores, eles
descobriram um erro no programa de planilhas Excel. Com base nesse achado,
desmontaram consequentemente a teoria da dívida de Kenneth Rogoff e Carmen
Reinhart – um dos emblemas do neoliberalismo – segundo a qual a relação entre
PIB e a dívida acima de 90% leva inevitavelmente à recessão. Enfrentado pelos
estudantes – Davi, o axioma-Golias teve a cabeça cortada.
Esse último assalto ao
neoliberalismo da dupla
Stiglitz-Gallegati mostra-se ainda mais perigoso do que os precedentes. Segundo
o Prêmio Nobel, a desigualdade corrói o PIB até mata-lo, não só por causa da
queda do consumo, mas também porque o sistema em que prevalecem renda,
concentração financeira e monopólios é ineficiente. “A caça à renda” comentaram
os dois pesquisadores, “leva muitas vezes a um desperdício de recursos que
reduz a produtividade e o bem-estar”.
Isso reforça a tese da
insustentabilidade de um sistema capaz de permitir que uma grande parte dos
rendimentos e da riqueza fique nas mãos de poucos. Nas últimas três décadas, o
mundo tornou-se cada vez mais rico, mas a distribuição de rendimentos entre
países e entre classes sociais só se agravou, tornando-se cada vez mais
desigual. Isso significa que os ricos têm se apropriado de uma porcentagem
enorme do crescimento e do incremento da produtividade.
Como corolário de tal
concentração, na última década em particular verificou-se um tremendo abismo
entre a economia real e o setor financeiro, com enormes capitais a se acumular
e circular livremente no mundo globalizado como uma nuvem pouco transparente e
ameaçadora. Dessa nuvem não chove a riqueza benéfica dos investimentos, nem a
bonança para o planeta. Muito pelo contrário, ela tende a se reproduzir
predominantemente através da dinâmica perversa dos artifícios financeiros:
dinheiro cria dinheiro sem produzir trabalho ou justiça social. Além de
desigual e eticamente inaceitável, essa situação só abre céus azuis ou
bem-estar para poucos e tempestades ou sofrimentos para os demais.
A redistribuição concertada da
riqueza e rendimentos tem sido essencial para a sobrevivência de longo prazo do
capitalismo. Estamos prestes, portanto, a assistir ao acaso das formas mais
perversas do neoliberalismo que infestaram a história recente. Quando mais
forte for a resistência à mudança por parte dos defensores do status quo econômico-financeiro,
piores consequências sofrerão o sistema e as partes mais vulneráveis dele.
Nesse quadro, o Brasil da
última década apresenta-se como uma das experiências mais promissoras, pois
caminha em direção oposta ao mainstream mesmo perdurando a gravíssima
desigualdade, fruta de uma herança secular maldita, um presente ofensivo da
elite nacional à história pátria, o processo de redistribuição de renda cresceu
nos últimos anos de maneira acentuada. Isso se deve à política econômica –
desenvolvimentista e antineoliberal – iniciada em 2003, que teve papel
fundamental na melhora do desempenho do país.
A nova
teoria do norte-americano Stiglitz e do italiano Gallegati confere dignidade
científica também a política econômica lulista da primeira década do século
XXI, goste ou não a elite brasileira.
Contribuição de Jaime Folster/Gefin
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