terça-feira, 25 de junho de 2013

Artigo - Economia : O ESTOPIM DAS CRISES: DESIGUALDADE.

Por Claudio Bernabucci, para a Carta Capital de 12 de junho de 2013. Ano 18 nº 752 P.50.

“Quando o 1% dos mais ricos concentra 25% da renda, explode a “bomba atômica econômica”, diz o Nobel Joseph Stiglitz”.

A desigualdade mata o desenvolvimento. Se a riqueza se concentra em poucas mãos, a crise é inevitável. Parece quase uma observação banal – e de alguma maneira qualquer pobre já sabia disso -, mas a grande novidade é que, a partir de agora, essa verdade simples tem status de teorema.
Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2002, sustenta que, se a riqueza está concentrada nas mãos de poucos, é fatal cair em estagnação e recessão econômica, como nos anos 1930. O axioma do economista norte-americano é demonstrado com dados incontestáveis e confere dignidade científica ao princípio de que desigualdade e polarização na renda prejudicam o crescimento e reduzem o PIB.

A oportunidade para apresentar os resultados, extraordinários de sua pesquisa, uma espécie de pré-estreia mundial, foi a 50º reunião científica da sociedade italiana de economia, demografia e estatística (Sieds), ocorrida em Roma, nos últimos dias de maio. Stiglitz, que na mesma linha de pesquisa publicou, em janeiro passado (2013), o impactante livro O preço da desigualdade, apresentou na Universidade Européia de Roma o fruto de seus estudos mais recentes, elaborados com seu principal colaborador italiano, o professor Mauro Gallegati.

O teorema de Stiglitz é baseado na constatação empírica do que os economistas definem como a “propensão marginal à consumir”: os ricos têm um grau menos acentuado do que a classe média. Portanto, se a distribuição de renda os favores além de certos limites, o consumo, ao contrário do que se poderia imaginar, fica deprimido. Somente uma classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia global.

O gráfico apresentado por Stiglitz é muito eloquente: quando o 1% dos mais ricos da população se aproxima de possuir 25% da renda, explode a economia. Aconteceu na Grande Depressão dos anos (19)30 e se repete nesta década, com episódios menores no caminho das crises. 

A pesquisa ítalo-americana ameaça ter efeito devastador entre as filas neoliberais. “Os defensores da desigualdade argumentam que assegurar mais dinheiro para os mais ricos produz benefícios para todos, porque isso levaria a maior crescimento econômico”, escreve Stiglitz em seu relatório. “Trata-se de uma ideia chamada trickle-down economics (economia com efeito cascata). Ela tem longo pedigree, mas faz tempo que tem sido desacreditada”.

Resumindo em poucas palavras, o teorema se auto explica de maneira muito clara, como equação aritmética ou fórmula química não particularmente complicada. É baseado na relação entre o Índice de Gini (ou seja, o indicador de desigualdade inventado pelo economista italiano Corrado Gini) e a teoria da “propensão marginal a consumidor”. Quando o índice de Gini aumenta indica, o incremento da concentração de renda, a classe média se reduz e o consumo contrai. Em consequência, a “variável” ou “multiplicador” de investimento diminui, afetando o PIB e o crescimento.


O teorema de Stiglitz sobre “distribuição e multiplicador” pode ser sintetizado na seguinte definição: se a má distribuição da riqueza acentua a desigualdade, então a pmgC ( propensão marginal a (c)onsumir) diminui e o índice de Gini (G) aumenta, o que provoca a diminuição do valor do multiplicador econômico, com base na fórmula acima.

A elite econômica mundial, dessa forma, fica sem argumentos. Tudo indica que a equação de Stiglitz representa o ataque mais formidável até agora lançado aos já vacilantes fundamentos da economia mainstream. Pelo menos na batalha teórica. Faz alguns meses, o primeiro golpe foi dado diretamente pelo FMI, que desafiou o dogma da austeridade ao calcular que o corte do déficit de 1% pode reduzir o PIB em até 2% e não só – como se acreditava até então – em 0,5%.

A segunda pancada foi acertada poucas semanas atrás por um grupo de estudantes do Instituto de Tecnologia do Massachutetts (o famoso MIT de Boston): ajudados por alguns professores, eles descobriram um erro no programa de planilhas Excel. Com base nesse achado, desmontaram consequentemente a teoria da dívida de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart – um dos emblemas do neoliberalismo – segundo a qual a relação entre PIB e a dívida acima de 90% leva inevitavelmente à recessão. Enfrentado pelos estudantes – Davi, o axioma-Golias teve a cabeça cortada.

Esse último assalto ao neoliberalismo da dupla Stiglitz-Gallegati mostra-se ainda mais perigoso do que os precedentes. Segundo o Prêmio Nobel, a desigualdade corrói o PIB até mata-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema em que prevalecem renda, concentração financeira e monopólios é ineficiente. “A caça à renda” comentaram os dois pesquisadores, “leva muitas vezes a um desperdício de recursos que reduz a produtividade e o bem-estar”.

Isso reforça a tese da insustentabilidade de um sistema capaz de permitir que uma grande parte dos rendimentos e da riqueza fique nas mãos de poucos. Nas últimas três décadas, o mundo tornou-se cada vez mais rico, mas a distribuição de rendimentos entre países e entre classes sociais só se agravou, tornando-se cada vez mais desigual. Isso significa que os ricos têm se apropriado de uma porcentagem enorme do crescimento e do incremento da produtividade.

Como corolário de tal concentração, na última década em particular verificou-se um tremendo abismo entre a economia real e o setor financeiro, com enormes capitais a se acumular e circular livremente no mundo globalizado como uma nuvem pouco transparente e ameaçadora. Dessa nuvem não chove a riqueza benéfica dos investimentos, nem a bonança para o planeta. Muito pelo contrário, ela tende a se reproduzir predominantemente através da dinâmica perversa dos artifícios financeiros: dinheiro cria dinheiro sem produzir trabalho ou justiça social. Além de desigual e eticamente inaceitável, essa situação só abre céus azuis ou bem-estar para poucos e tempestades ou sofrimentos para os demais.

A redistribuição concertada da riqueza e rendimentos tem sido essencial para a sobrevivência de longo prazo do capitalismo. Estamos prestes, portanto, a assistir ao acaso das formas mais perversas do neoliberalismo que infestaram a história recente. Quando mais forte for a resistência à mudança por parte dos defensores do status quo econômico-financeiro, piores consequências sofrerão o sistema e as partes mais vulneráveis dele.

Nesse quadro, o Brasil da última década apresenta-se como uma das experiências mais promissoras, pois caminha em direção oposta ao mainstream mesmo perdurando a gravíssima desigualdade, fruta de uma herança secular maldita, um presente ofensivo da elite nacional à história pátria, o processo de redistribuição de renda cresceu nos últimos anos de maneira acentuada. Isso se deve à política econômica – desenvolvimentista e antineoliberal – iniciada em 2003, que teve papel fundamental na melhora do desempenho do país.


A nova teoria do norte-americano Stiglitz e do italiano Gallegati confere dignidade científica também a política econômica lulista da primeira década do século XXI, goste ou não a elite brasileira.

Contribuição de Jaime Folster/Gefin

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