O
cenário incerto de recuperação da economia dos países desenvolvidos exige
do Brasil um esforço para melhorar suas estruturas de custos. A análise,
apresentada pelo economista Dani Rodrik, titular de Política Econômica
Internacional da Universidade Harvard (EUA), fundamenta-se em um futuro de
crescimento do PIB brasileiro não superior a 4% nos próximos anos, o
suficiente desde que haja "reservas e espaço de manobra para lidar com
os prováveis choques e diversidades provenientes do resto do mundo".
O especialista participou do 1º Fórum de Economia de CartaCapital,
realizado em São Paulo na terça-feira 7, onde também se apresentaram
empresários e representantes do governo federal. "Não sejam ambiciosos
demais, sejam cautelosos e seguros", alertou.
Apesar das recomendações, Rodrik elogiou a atual condução da economia
brasileira. "Toda vez que venho ao Brasil, percebo que ele está
ficando mais normal. Nós estamos vivendo em um mundo econômico que é qua
Iquer coisa, menos normal. Ou seja, neste cenário, ser normal é o melhor
elogio que você pode fazer a um país."
O fim da era de crescimento alto não deve ser motivo de preocupação,
segundo o ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital. O aumento da
população a uma taxa menor permite uma evolução mais lenta do PIB. “Nos
anos 70, o PIB crescia 7% ao ano, e a população a 4%. Agora o PIB cresce a
4% e a população a 1%. Temos uma margem de 3% per capita, muito boa.”
Depois de a economia brasileira crescer 0,9% em 2012, o pior resultado em
três anos, a previsão oficial é de o PIB avançar 3,5% neste ano, segundo
Márcio Holland, secretário de Política Econômica do M i n istério da
Fazenda, presente ao evento. Segundo ele, o País estaria preparado para o
novo período de crescimento sustentável apontado por Rodrik, apesar das
adversida-des do contexto internacional.
"Temos um crescimento do PIB com manutenção de taxa de desemprego
muito baixa, em condições de custo de investimento e tributário como nunca
tivemos antes, e uma imensa oportunidade de infraestrutura, em um ambiente
democrático e de boa qualidade institucional. São poucos os países que têm
essas características combinadas mundoaíbra” disse Holland na abertura do
seminário.
O real valorizado preocupa, porém, os empresários, e seria uma das maiores
barreiras para a competitividade brasileira no mercado internacional,
particularmente no caso dos manufaturados. Diante da curva ascendente do
déficit da balança comercial, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira
defendeu, além do aumento da produtividade de setores com baixo valor
agregado, a alta do câmbio para um patamar entre 2,80 e 2,90 reais, mesmo
se a medida resultar em um repique dos preços. “Vamos ter de desistir
por algum tempo da meta da inflação. E os salários também vão cair um
pouco, mas depois crescerão muito mais e teríamos uma retomada da
industrialização.”
O governo não trabalha com a possibilidade de reduzir o poder de compra dos
trabalhadores nem com a de descuidar da meta de inflação, mas admite mexer
no câmbio. “O Brasil tem um câmbio flutuante que funciona, mas isso
não quer dizer que o governo não possa intervir”, afirmou Fernando
Pimentel, ministro do Desenvolvimento, depois de lembrar que o tema não diz
respeito à sua pasta. “Um câmbio flutuante pode ter a ajuda de uma boia,
pois nos países desenvolvidos, como os EUA, eles têm usado bigornas para
afundar o valor de suas moedas.”
Pimentel não vê com tanta preocupação o déficit de 6,15 bilhões de dólares
na balança comercial no acumulado entre janeiro e abril. “O Brasil não está
com déficit no fluxo de comércio. Temos um superávit perto de 10 bilhões de
dólares no acumulado dos últimos 12 meses. Vamos fechar o ano com
superávit.” Ainda que a importação no período tenha subido de 71 bilhões de
dólares, entre janeiro e abril de 2012, para mais de 77 bilhões neste ano.
“ Metade disso é de bens de capital, matérias e insumos, indicativos de
investimento.”
Presidente do banco de investimentos BTG Pactuai, André Esteves pediu
comedi mento às análises econômicas de que o Brasil vive um período de
deterioração das contas externas e pressão inflacionária. “Precisamos ver
de uma perspectiva histórica. Há 20 anos, a inflação semanal brasileira era
maior que 5,5%, o nível anual de hoje.” E defendeu o patamar da Selic.
“O importante é ver que há 15 anos a alta na taxa de juros era maior que a
taxa nominal atual. Em qualquer ciclo a alta era de no mínimo 7,5%”,
afirmou. “Agora o nível é normal, como em outras economias.” Ligado a um
dos setores que mais crescem, Wesley Batista, presidente do frigorífico
JBS, acred ita que o governo tem adotado medidas macroeconômicas corretas.
“Acho que o Brasil volta a ter um crescimento dentro do nível que esperamos
e que o pior momento da pressão inflacionária ficou para trás.”
Entre as medidas adotadas pelo governo para impulsionar a economia e os
investimentos destacam-se as desonerações fiscais de 70 bilhões de reais em
2013, alvo constante de críticas.
Para Holland, existe um espaço fiscal para sustentá-las. Segundo ele, as
despesas de pessoal estão estáveis desde 2003, com relativa queda em
relação ao PIB, de 4,5% para 4,2%. O custo financeiro da dívida foi
reduzido de 8,5% para 5% no período, e a dívida pública caiu de 55% para
35% do PIB. “Alguém poderia falar, mas e a dívida bruta? Ela saiu de 57%,
em 2008, para 59%;, em 2013. E um dos menores aumentos do mundo nesse
período. Os países estão expandindo as suas dívidas pública em 40%, 50% do
PIB, sem resultado econômico, com altas taxas dc desemprego.”
E o caso da Europa, segundo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
assistiu às apresentações do fórum no período da man hã. “A crise é grande
e tem um componente político tão forte como o econômico. O problema agora é
a Europa estar carente de liderança política e ter terceirizado as
decisões, o que é muito grave.”
Rodrik avalia como contraproducentes as políticas de austeridade adotadas
para enfrentar os problemas de altíssimo endividamento na Europa. “A
restrição fiscal leva à redução do crescimento econômico e aumenta o end
ividamento.” Pa ra o professor, o desemprego 6 o pior problema atual do
continente.
No caso dos Estados Unidos, o que mais preocupa é o aumento da desigualdade
social. Segundo Rodrik, a disparidade na maior economia do mundo está nos
níveis de 1920. E a renda média dos domicílios não aumenta desde 2000. “Só
o topo da pirâmide está se dando bem.” Além disso, com o colapso do mercado
imobiliário, o setor público, antes poupador, aumentou a dívida acima de
100% do PI li, comprometendo o cresci mento económ ico.
Em relação à China, o professor de Harvard destaca o risco de desaceleração
e a capacidade do sistema político do país lidar com as futuras oscilações
da economia mundial. Para Rodrik, a potência asiática precisa se voltar
mais para o mercado interno, caso queira manter um crescimento contínuo. “A
China precisa desse ajuste estrutural, e suas empresas terão de se adaptar
a produzir itens que a classe média chinesa quer.” O regime autoritário,
diz, pode ter dificuldades para enfrentar uma reforma estruturante.
Pequim deve se preparar, contudo, para uma expansão mais lenta, o que,
segundo Rodrik, terá impacto direto em países e áreas dependentes do
comércio com a China, entre elas a América Latina. “E impossível a região
ficar imune, embora esteja mais protegida. Nesse contexto, o Brasil e o
poder de sua economia serão importantes.”
Esse poder indicaria um protagonismo regional brasileiro que, avalia Luiz
Gonzaga Belluzzo, consultor editorial de CartaCapital, nasce da falta de
interesse do País em ser hegemônico. “Colocamos as questões de interesse
global de forma modesta, sem nacionalismos. Por isso o Brasil é visto como
um coordenador do desenvolvimento da economia sul-americana.”
O Brasil, diz Belluzzo, deve se integrar ainda mais à América Latina e
África, sem uma concepção imperialista. E cita o exemplo da agricultura
tropical: “A Embrapa transfere tecnologia agrícola à África de graça, e as
empresas brasileiras no continente contratam locais, diferentemente da
China. O Brasil defende um protagonismo sem protagonistas”.
O País precisa cuidar antes de problemas Internos. Na lista de prioridades
está o gargalo da infraestrutura, capaz de estrangular o desenvolvimento de
alguns setores econômicos. Chama atenção a situação dos aeroportos
sobrecarregados, das cargas que demoram semanas para entrar e sair dos
portos e do transporte rodoviário ineficiente. “Para o investidor isso
significa um risco de demanda pequeno. Existe uma demanda grande e
reprimida. Há espaço para financiamento de longo prazo”, afirmou Murilo
Portugal, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).
Segundo Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e
Logística (EPL), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
melhorou o planejamento e destravou obras tão antigas quanto a Ferrovia
Norte-Sul, iniciada em 1986. Em 20 anos de obras da ferrovia, haviam sido
construídos 200 quilômetros de trilhos. Com o PAC, em cinco anos, foram
mais 2 mil quilômetros. Ainda assim, os investimentos em ferrovia são
insuficientes. “As ferrovias atuais não atendem à demanda. Muitas delas são
antigas e não modernizadas. Temos de construir onde ainda não há uma malha,
como no Centro-Oeste.” Esforços também são realizados por parte das
empresas. A mineradora Vale, por exemplo, enfrenta dificuldades em competir
com companhias australianas na venda de minérios para a Ásia, em especial a
China e o Japão. “A Austrália está a 15 dias de navio da China e Japão, o
Brasil a 45. Não querem comprar minério daqui porque, quando chega, os
preços estão em condições diferentes. Estamos montando pontos de distribuição
nas Filipinas”, disse Murilo Ferreira, presidente da companhia.
Mais do que grandes planos, os empresários acreditam em pequenas reformas
para ajudar a destravar investimentos. “Devemos retomar o conceito de
realizar reformas que reduzam os custos da transação, como para abrir ou
fechar uma empresa. São medidas pequenas que acumuladas geram uma mudança
ampla”, defende Portugal. Esteves, do BTG Pac tual, completa: “E preciso
trazer ao debate diversas reformas microeconômicas, como a
des-burocratização e a facilidade de fazer negócios, que vão destravar o
sistema e ajudar o País a andar.”
A busca de soluções a favor do crescimento está presente no mundo todo e
depende da superação de modelos econômicos adotados no passado. Rodrik
discorreu sobre três modelos que deram certo em alguns países em períodos
diferentes, mas que não se sustentam nos dias de hoje.
Um deles, conhecido no Brasil e que gera pouco desenvolvimento econômico e
social, é baseado na expansão por meio de empréstimos no exterior para
alimentar o consumo interno. Outro é o modelo de industrialização rápida,
com a transferência de trabalhadores de baixa produtividade do ca mpo para
a manufatura, como o util izado na China. Segundo o economista, essa opção
não teria mais vez. “Esse período acabou por causa da mudança da natureza
da manufatura. Iioje as indústrias são diferentes.” Já o modelo baseado na
venda de com-modities, utilizado pelo Brasil, seria pouco confiável por
causa da variação dos preços das cotações no mercado internacional.
A única forma de obter sustentabilidade do crescimento no futuro seria
focar no investimento em itens fundamentais como capital humano,
instituições reguladoras (públicas e privadas), saúde e educação. Mesmo
assim, diz Rodrik, é preciso estar atrelado a outros esforços. “Nenhum país
enriquece sem essas capacidades. Mas investir apenas nesse modelo gera um
crescimento lento e caro.”
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